quinta-feira, 16 de abril de 2009

A criação deste trabalho iniciou em algum tempo passado ao qual é difícil retornar com exatidão. O que é ponto certo é que a partir de alguns anos a necessidade de colocar em prática esta idéia e movimentar estes materiais esteve presente com mais constância.
Sempre esqueci muitas coisas, datas, horas e sempre anotei o máximo que pude estes pequenos recados para ser lembrados. Porém as coisas que anoto, só o faço por ter certeza do esquecimento. Então: encontros, receitas, horários, recados, coisas a executar, lembretes espirituais, idéias que preciso voltar ou retomar, livros a ler, filmes assistir, tudo isso tenho guardado... Mas onde? Sempre os perdia e quando precisava nem sempre os encontrava. Passei a anotar em agendas, em pequenos cadernos, em bilhetes para colocar num quadro, passei a colocá-los em uma caixa para lembrar, em duas caixas, em três... E por fim dei-me conta que não preciso lembrar quase nada deles, pois a hora, o dia, ou mesmo o assunto já nem sempre é necessário, ou a importância não é mais a mesma. Se por um lado, guardei muitos escritos esperando as horas de colocar em prática; por outro lado, este guardar recados sempre foi uma fonte de novas idéias, acúmulos, dispersão e reengenharias de outras tantas idéias e projetos.
O fato de trabalhar com moda e educação me fez amarrar muitos destes elementos com as artes plásticas e com novos modos de usar estes materiais, me formando uma pessoa “buscadora”, como diz Jorge Bucay, num CD “Cuentos para pensar”. O buscador necessariamente não é aquele que encontra algo, o seu sentido de viver é justamente o “buscar”. Desde que ouvi esta história enquadrei-me nessa categoria e percebi que minha necessidade é de experimentar, de buscar reconstruções, de não seguir o mesmo fato o mesmo sentido, a mesma idéia, e ao mesmo tempo pensar em como podemos diferenciar coisas, materiais, técnicas e reorganizar as mesmas coisas, que passadas por transformações não são mais as mesmas coisas, embora muitas vezes preservem a mesma função, ou não. Esta busca por mudanças e por atravessamentos me faz pensar em coisas iguais transformadas por materiais diferentes, ou coisas diferentes sendo reescritas com materiais “normais”; “as coisas” em questão podem ser idéias, conceitos, atitudes, pequenos atos que executamos diariamente, como escovar os dentes, pregar um botão em uma roupa, modificar um porta-retrato, customizar uma camiseta, desenhar um vestido para mandar fazê-lo, escolher uma meia de design diferente de todas as outras, comprar uma lingerie numa cor chocante, experimentar uma receita de comida feita com flores e chocolate, etc.
Desde que comecei a refinar o meu trabalho como estilista/figurinista/educadora tenho um arquivo onde guardo recortes com idéias de roupas, acessórios, reportagens de pessoas ligadas à moda e artesanato. Há tempos este arquivo começou a ganhar outras colocações como idéias de materiais inusitados, reportagens sobre culturas diferentes, formações de texturas e grafismos, artistas e educadores que trabalham com materiais diferentes e obras contemporâneas que podem nos remeter a pensar de formas diferentes. Ao mesmo tempo em que tenho este arquivo em papel, no meu ateliê arquivo materiais diferentes e inusitados, pequenas sobras de figurinos, onde trabalho principalmente com textura; muitos destes trabalhos iniciaram da experimentação com destino certo de um figurino e por fim foram transformados em quadros, roupas, acessórios ou recados guardados em caixas. É a partir destes recados que reconstruirei os meus esquecidos.
As questões levantadas sobre a arte contemporânea, principalmente no curso Especialização em Pedagogia da Arte – UFRGS, os atravessamentos das disciplinas e um aprofundamento no uso de diferentes materiais utilizados como suporte para a arte me deram a permissão e a oportunidade de iniciar este desafio.
O objetivo é que, ao deixar pequenos recados em lugares públicos (ou não), que chamarei de “esquecidos” estes possam ser encontrados e que sirvam de afastamento do olhar, por breves instantes que seja, de sua rotina, de suas idéias, de seus afazeres. Penso que, ao proporcionar um deslocamento do cotidiano, a rotina fique desestabilizada, não como algo desagradável que não possa ser retomada, mas o “esquecido” tem a função de deslocar o olho do “encontrador” numa atitude de leitura e de pensamento, uma vez que a rotina, não raro nos ocupa todo o tempo e o pensamento. Ao encontrar um esquecido, uma pessoa pode não olhar; ou mesmo pegar, ler e colocar fora; ou pode pegar ler e guardar; ou pode entrar no blog do trabalho e ao acessar, poder conhecer um pouco desta tentativa de deslocamento da rotina. Se os esquecidos servirem aos “encontradores” como recados, como lembrete, como modificadores de atitudes, como forma de repensar alguma coisa, este “esquecido” já cumpriu seu papel.
Penso que cada atividade programada para nosso dia tenha o seu valor e o seu momento, e não raro nos perdemos quando algo diferente nos acontece, ou um atraso de ônibus, ou uma falta de gasolina, ou uma reunião de última hora, que nos faz ter que correr para que sejam cumpridos os nossos afazeres desse dia. Quando podemos parar um instante, o usamos para rever a agenda e fazer os últimos contatos para o dia seguinte, e não mudamos o nosso foco, e não alteramos a nossa rotina, pois desta forma desestruturaríamos toda a semana; penso que ao encontrar um “esquecido”, você possa se utilizar dele para respirar, para desviar o olhar do que você precisa fazer, e por um instante, apenas ler – mesmo que não tenha letras ou palavras que te façam sentido; sentir a textura – mesmo que tenham poucas texturas diferentes; pensar nas cores – mesmo que a mistura destas, não te agrade; (re)olhar as formas - mesmo que nem sempre estas tenham chamado a sua atenção; sentir – o perfume também pode nos provocar; basta que estejamos abertos para olhar os detalhes que não fazem parte de nossa rotina; basta que estejamos disponíveis para desviar a retina do nosso foco principal de rotina e (re)olhar de uma outra forma para algo já conhecido, mesmo que seja um “esquecido”.